Neste dia das mulheres, gostaria de celebrar três dos mais belos exemplares desse gênero. Toda mulher que vive bem sua condição feminina é um exemplo para os homens, pois lhes são complementares (Gn 2,18-24). Ao olhar para uma mulher, um homem deveria moderar seus apetites de caçador e aprender com sua ternura e os cuidados da mulher para com os seus. A situação que vemos, da mulher subjugada pelo homem, é coisa do pecado, não é vontade de Deus (Gn 3,1-20).
A Virgem Maria
O primeiro exemplo que gostaria de recordar, como não poderia deixar de ser, é o da Virgem Maria, mãe de Deus. Quando ela disse ao anjo do Senhor “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38), ela assumiu para si uma grande carga. A concepção sobrenatural do Filho de Deus implicava para ela um grande risco de apedrejamento, coisa que seu esposo, São José, quis evitar rejeitando-a secretamente – somente a intervenção divina, esclarecendo que Jesus foi feito pelo Espírito Santo (v. Mt 1,18-25) garantiu que se cumprisse a profecia:
Um renovo sairá do tronco de Jessé,
e um rebento brotará de suas raízes.
Sobre ele repousará o Espírito do Senhor, Espírito de Sabedoria e entendimento,
Espírito de prudência e de coragem,
Espírito de ciência e de temor do Senhor.
Sua alegria se encontrará no temor do Senhor.
Ele não julgará pelas aparências,
e não decidirá pelo que ouvir dizer;
mas julgará os fracos com equidade,
fará justiça aos pobres da terra,
ferirá o homem impetuoso com uma sentença de sua boca,
e com o sopro dos seus lábios fará morrer o ímpio.
A justiça será como o cinto de seus rins,
e a lealdade circundará seu flancos. [Is 11,1-5]
E também:
porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado;
a soberania repousa sobre seus ombros, e ele se chama:
Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz.
Seu império será grande e a paz sem fim sobre o trono de Davi e em seu reino.
Ele o firmará e o manterá pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre. Eis o que fará o zelo do Senhor dos exércitos. [Is 9,5s]
O “sim” de Maria a Deus foi, portanto, um grande peso sobre seus ombros, que somente sua virtude poderia suportar, afinal, não gerou um filho para si, mas para o mundo. “Na verdade, [ó Deus,] fizestes grandes coisas por toda a terra e estendestes a vossa misericórdia a todas as gerações, quando, olhando a humildade de vossa Serva, nos destes, por ela, o Salvador da humanidade, vosso Filho, Jesus Cristo, Senhor nosso” (Missal Romano – MR -, prefácio da Virgem Maria, II). A Virgem teve de amar com um amor semelhante ao de Deus: “com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Em seu “sim”, Maria assumiu para si as dores de seu filho, assegurou par si mesma uma espada a transpassar sua alma (Lc 2,35).
Acolhendo a vossa Palavra no coração sem mancha, mereceu concebê-lo no seio virginal e, ao dar à luz o Fundador, acalentou a Igreja que nascia. Recebendo aos pés da cruz o testamento da caridade divina, assumiu todos os seres humanos como filhos e filhas, renascidos para a vida eterna, pela morte de Cristo.
Ao esperar com os Apóstolos o Espírito Santo, unindo suas súplicas às preces dos discípulos, tornou-se modelo da Igreja orante.
Arrebatada à glória dos céus, acompanha até hoje com amor de mãe a Igreja que caminha na terra, guiando-lhe os passos para a pátria, até que venha o dia glorioso do Senhor. [MR, prefácio da Virgem Maria, III]
Santa Gianna Beretta Molla
Santa Gianna, médica pediatra, nascida na Itália, queria vir com seu irmão, Pe. Alberto, também médico, fundar um hospital em Grajaú, no Maranhão – onde aliás, foi reconhecido um de seus milagres, salvando a vida de uma criança gestada desde os três meses sem líquido amniótico. Essa dedicação aos nascituros já seria esperada de uma santa pediatra, mas não foi só isso que ela fez.
Ainda em vida, aos 38 anos (em 1961), engravidou de sua quarta filha, que viria a se chamar Gianna Emanuela. Durante a gestação, foi diagnosticada com um fibroma no útero, tendo apenas três opções: a retirada do útero com a consequente morte da filha, o abortamento provocado, ou uma cirurgia arriscada para manter a gestação. Optou pela última, dando à luz uma menina aos 21 de abril de 1962, vindo a falecer sete dias depois. Morreu por amor à filha. Essa opção não deveria ser estranha – que pai ou mãe amoroso, ao perder um filho, não disse ao Senhor: “leva-me, mas preserva a vida desta criança”? É uma decisão difícil, mas mais difícil é a terrível espada que transpassa o coração de quem perde um filho. Santa Gianna Beretta Molla se deu para que sua filha vivesse.
Santa Teresa Benedita da Cruz (Santa Edith Stein)
Outra formidável flor do ramo de Jessé, Edith Theresa Hedwing Stein, judia e ateia, primeira mulher a doutorar-se em filosofia na Alemanha, converteu-se ao cristianismo após ler a autobiografia de Santa Teresa d’Ávila (S. Teresa de Jesus), Livro da Vida. Já então experimentou sua primeira provação, pois foi rejeitada pela família, que não aceitava sua fé cristã. Na universidade, a discípula de Husserl, fundador da fenomenologia, tinha uma carreira promissora, que foi interrompida pouco após a acensão dos nazistas ao poder.
Tendo sido impedida de lecionar, pôde realizar seu sonho de entrar para o Carmelo Descalço, o que ocorreu em 1933, adotando o nome de Teresa Benedita da Cruz. Com permissão de seus superiores, não deixou de estudar e de escrever, bem como de se preocupar com o destino do povo alemão. Escreveu ainda naquele ano uma carta ao papa Pio XI, suplicando a palavra da Igreja contra as atrocidades do regime nazista. Tal palavra veio a ser pronunciada em 1937, na encíclica Mit Brennender Sorge.
Durante a guerra, recrudesceu a perseguição aos judeus a tal ponto que a Ordem Carmelita Descalça determinou sua transferência para um convento na Holanda. Mas, em 1942, a conferência episcopal holandesa denunciou o racismo dos nazistas, o que foi usado como pretexto para que a perseguição alcançasse os judeus convertidos ao catolicismo, entre eles, a santa e sua irmã. Levada para o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, dedicou-se a cuidar dos outros presos. Seus cuidados chegaram ao ponto de dar sua vida para salvar uma criança.
Brilhante filósofa e brilhante cristã, aceitou sofrer para o bem de muitos:
Desde já, aceito a morte que Deus me destinou, enfrentando-a com alegria, em perfeita submissão à sua santíssima vontade. Peço ao Senhor que aceite minha vida e minha morte para sua glória e louvor, por todas as necessidades […] da Igreja […] e para que o Senhor seja aceito pelos seus [os judeus], e seu Reino venha em glória, pela salvação da Alemanha e pela paz no mundo; enfim, pelos meus parentes, vivos e falecidos, e por todos os que Deus me deu: que nenhum deles se perca. [STEIN, Edith. Na força da cruz. 3. ed. rev. e atual. Vargem Grande Paulista: Cidade Nova, 2008. p. 97.]